13 março 2024

Escada para os céus - Breve reflexão







Jorge F. Isah



A existência humana, como a conhecemos, é uma fração irrisória na história, e o homem um nada em relação à criação, quanto mais se compará-lo a Deus. Não é estranho, portanto, o anseio obsessivo de, sendo nada, fazer-se como ele e querer tudo?...

Ah, maravilhas das maravilhas, enquanto o homem tenta subir as escadas para o trono divino, em uma nítida intenção de invadir e conquistar o Reino; Deus, em sua sabedoria, desceu aos porões da terra, fazendo-se um de nós, para, assim, salvar o seu povo, os seus eleitos. E, somente então as portas do reino eterno foram-nos abertas, escancaradas, para encontrarmo-nos com o Criador, Senhor e Salvador, e dele, e por ele, e para ele, gozarmos por toda a eternidade.

Não foi o homem quem subiu aos céus, mas Cristo se fez homem, servindo-nos de escada, como uma ponte a ligar o mundo perdido e baixo ao Reino venturoso e sublime, finalmente alcançado, onde nos realizamos, filhos amados do Pai, pelos méritos exclusivos do Filho.


09 março 2024

Águas Profundas, de Adrien Lyne

 



Jorge F. Isah



Águas profundas é um daqueles filmes inesquecíveis, às vezes pela qualidade e talento da produção, edição, roteiro, interpretações, direção ou por todas essas coisas capaz de levá-lo à candidatura do Oscar e até mesmo à vitória (se bem que Oscar e bons filmes já há um bom tempo não são mais sinônimos). Entretanto, existem aqueles também que não nos sai da cabeça por seus defeitos, vícios e problemas. No sentido da direita para a esquerda, em ordem decrescente, o filme estaria na parte mais baixa da ladeira, quase na extremidade canhota (não há aqui nenhuma conotação política, apenas o meu critério de aferição, pessoal e intransferível).

Dirigido por Adrian Lyne, o mesmo de 9 e 1/2 semanas de amor (proto-pornô), Proposta Indecente e Atração Fatal, se manteve em período sabático por 20 anos, e, ao voltar, tropeçou em seus próprios erros não resolvidos no passado e reforçados no presente. A se salvar a química entre o canastrão Ben Affleck, a linda Ana de Armas, e o carisma infantil de Grace Jenkins; de resto quase nada se aproveita no filme, nem mesmo a incipiente e pálida crítica social aos endinheirados e suas vidas fúteis.

A história é sobre o relacionamento confuso, destrutivo, imaturo e corrosivo de Vic (Affleck) e Melinda (Armas), um casal de ricaços cuja filhinha, Trixie, é mais madura e centrada do que os pais. Vic, um gênio da computação, criou um sistema de drones para o governo americano que atinge alvos inimigos com alto grau de precisão. Assim, ganha uma fortuna e se dedica quase exclusivamente à família, festas onde era constantemente desafiado pela esposa, e uma criação de escargots no porão de casa.

Melinda é a típica mulher fatal: linda, sex, ardorosa e promíscua, além de bêbada; deita-se com qualquer um sem o menor pudor ou remorso, e diante de toda a cidade desfila os amantes debaixo dos narizes incrédulos de amigos e conhecidos. Não respeita ninguém a não ser o seu apetite sexual... Não se sabe a razão de agir assim. No decorrer da trama, fica-se a par de talvez ser a frieza do marido, não dado a arroubos e fervores, a causa das inúmeras e sucessivas traições. Só esse fato demonstra a infantilidade e fragilidade da história. Vic ama Melissa, ao seu jeito, e mesmo sabendo dos affairs extraconjugais, não pretende se separar; ela está mais disposta a humilhá-lo, enquanto se beneficia da sua fortuna para presentear amantes e, em alguns casos, sustentá-los.

Trixie tem afinidades e um relacionamento carinhoso com o pai, e por vezes vemo-la a provocar a mãe (quase sempre de ressaca pela manhã ou bêbada durante o dia) com músicas infantis e barulhentas. A relação das duas é claramente conflituosa, já que a pequena, inteligente e sagaz aos 6 ou 7 anos, não está desatenta à disfunção moral da progenitora.

Então, Vic, para se vingar, resolve matar um a um os “amigos” de Melissa. Isso mesmo. Incapaz de se divorciar, seja lá qual for o motivo, decide afastar definitivamente os rivais, e acaba por provocar o furor da esposa, privada dos seus “brinquedinhos” e tendo de encontrar outros.

A história em si é um emaranhado de equívocos, inverossímil e cheia de buracos por todos os lados. Lyne não consegue preenchê-los, deixando a coisa toda à deriva, mas abusando daquilo que sabe fazer tão bem: exorbitar no exibicionismo e masoquismo dos personagens. O roteiro estúpido (baseado no livro homônimo de Patricia Highsmith), direção insegura e canhestra, e o clima nitidamente absurdo da trama, faz-nos lembrar as antigas novelas venezuelanas, de 30 anos atrás, deixando a sensação de estarmos diante de uma grande e inominada porcaria.

No final, ao perceber que o marido era o assassino dos seus amantes, Melissa reconhece, com isso, a sua mudança de atitude, de não ser o homem frio, distante, mas certamente um potencial marido capaz de amá-la. E as provas mais sórdidas e abjetas convence-a de que os assassínios impiedosos, planejados e brutais serão suficientes para apaziguar o seu ímpeto devasso. Ou seja, para conquistá-la não era bastante fortuna, gentileza e leniência, mas a oblação, os sacrifícios consagrados no altar de Melissa. Os dois se merecem, não há dúvidas.

De bom mesmo, lá pelo minuto 20 e poucos do filme, a performance de Grace Jenkins cantando “You make me feel like dancing”, música de Leo Sayer, de 1976, sentada no banco de trás do carro, a caminho da escola. Temos o melhor de Affleck também. Valeria o filme, se as quase duas horas se restringissem a um curta-metragem. Essa cena é um dos poucos trunfos a tirá-lo da extrema-esquerda e trazê-lo mais próximo ao centro. 

Não o suficiente, mas podia ser muito pior.

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Avaliação: (*)

Título Original: Deep Water

Direção: Adrian Lyne

Roteiro: Sam Levinson e Zach Helm

Ano: 2022

Produção: Amazon

Duração: 116 minutos

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

04 março 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 35: A Trindade e os "cristãos" que não reconhecem a Cristo

 


Jorge F. Isah
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INTRODUÇÃO

Antes de entrarmos propriamente na doutrina da Trindade, a qual passaremos a chamar de Triunidade, a fim de não confundi-la com o triteísmo, farei uma apanhado da crença herética do antitrinitarianismo.

Primeiro, há de entender que o judaísmo, o islamismo e o cristianismo são as únicas grandes religiões monoteístas do mundo. Muitos judeus e islâmicos consideram que somos triteístas, de que acreditamos em três deuses, pelo fato de não se interessarem pelo estudo da doutrina da Triunidade e, portanto, ao não fazê-lo, não compreendem-na, ou por uma deliberada má-vontade e oposição com o objetivo de nos rechaçar das suas companhias. Entendo que também não temos interesse nessa companhia porque, apesar de monoteístas, tanto judeus como islâmicos estão equivocados em sua fé e desprezam flagrantemente a revelação divina, a Bíblia Sagrada. Para o judaísmo existem apenas os livros do AT e aqueles que fazem parte da sua tradição, os quais não são livros inspirados; enquanto para o islã há somente o livro de Maomé, ainda que eles se reconheçam como herdeiros do patriarca Abraão, e reconheçam alguns dos nossos profetas como enviados por Alá. Ambos rejeitam peremptoriamente o NT como livro sagrado, como a palavra fiel de Deus, e a Jesus Cristo como Senhor e Salvador, como a segunda pessoa da Santíssima Trindade.

Este estudo tem por objetivo esclarecer os princípios norteadores da doutrina da Trinitariana existentes na Escritura Sagrada e, em caráter secundário, demonstrar a falácia dos que se opõem à Triunidade de Deus.

Da mesma forma, temos de distinguir os movimentos que se consideram cristãos mas nada têm de bíblicos, como os unicistas e o unitarianistas. A importância de reconhecê-los com clareza é fundamental para que não sejamos presas fáceis dos enganos perpetrados por essas correntes teológicas. Muitos se misturam no nosso meio com o intuito de enredarem incautos para suas doutrinas espúrias e diabólicas, já que uma característica das seitas é o proselitismo. Há muitos cristãos bíblicos que os consideram como a irmãos, talvez acometidos pela condescendência, pela ignorância ou seduzidos pela astúcia deles. O fato é que Deus nos exorta a afastar-nos e a rejeitar qualquer proposição que não seja bíblica, pois enquanto devemos batalhar pela verdade, aqueles estão interessados exclusivamente na difusão da mentira, e qualquer associação com eles nos fará igualmente mentirosos ou, no mínimo, transigentes com a mentira [Tt 3.10-11]. A questão é que estamos muito preocupados em parecer conciliadores, amistosos e flexíveis, quando devemos ser intransigentes e repelir tudo o que vai contra a sã doutrina. Como o apóstolo Pedro disse diante do sumo sacerdote: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” [At 5.29].

Ainda que o estudo não seja exaustivo, ele nos dará o fundamento necessário para defender a fé cristã e rejeitar o falso cristianismo, e, mais do que isso, aperceber-nos de que muitos deles, utilizando-se de argumentos ou raciocínios ardilosos, querem confundir e transtornar irmãos ingênuos ou de boa-fé, apresentando-se como iguais quando em nada se lhes assemelham. O espírito deles é guiado pelo enganador, e devemos estar atentos para os sinais que eles apresentam e que, no início, não são muito perceptíveis, mas se tornam evidentes com o tempo, ao rejeitarem a revelação especial para dar ouvidos à mentira que, em seu discurso, tem alguma aparência de verdade.

A fé cristã é uma, mas muitos grupos se apropriam do termo Cristianismo para terem seu trabalho facilitado. E, para isso, utilizar-se-ão do que foi dito pelos hereges no passado, os quais já existiam à época dos apóstolos, para garantirem o uso do designativo “cristão”. O fato de reconhecerem Cristo como o Messias, Salvador, ou o enviado de Deus para revelar a sua vontade ao mundo é suficiente para que se autodenominem com tal. Não importa se o que pensam de Cristo é diametralmente oposto ao que ele é e se deu a revelar na Escritura. Importam-lhes mais embaraçar, se misturar, de forma que os tolos e ignorantes, aqueles que não sabem dar a razão da sua fé, não percebam as diferenças entre o que eles dizem e o que a Bíblia afirma. E a ignorância de muitos, aliada à astúcia daqueles, fazem com que sejam reputados como seguidores de Cristo quando, na verdade, odeiam-no, ao desprezarem-no, ao não reconhecerem quem ele é, ao tentarem fazer dele uma outra pessoa ou personalidade.

Interessante que quase sempre é ele, Cristo, o pomo da discórdia, e que somente acontece por obra exclusiva daqueles que, pela própria incredulidade, negam a sua divindade.


"CRISTÃOS" QUE NÃO RECONHECEM A CRISTO

Há entre os cristãos [uso o termo de maneira ampla e genérica, abrangendo todos os que se autodenominam cristãos] dois grandes grupos doutrinários: os trinitarianos e os antitrinitarianos.

Entre os opositores da fé bíblica, encontramos dois subgrupos:

1)      Os unitarianos;
2)      Os unicistas.

Eles afirmam, via de regra, que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são meros nomes, modos, estados ou aspectos de uma mesma pessoa, de forma que Deus assumiria modos diferentes ao invés de ser três pessoas distintas [modalismo, sabelianismo, patripassianismo]; ou de que Jesus Cristo não é Deus mas um deus inferior, uma espécie de semi-deus, criado pelo verdadeiro Deus, e por ele capacitado com alguns “poderes”, podendo mesmo ser adorado como Deus [arianismo]. Com isso, eles dizem que Cristo é divino em algum aspecto, mas não é Deus em essência [algumas das várias formas de unitarismo]. Já o Espírito Santo pode ser tanto um ser criado por Deus, com a ajuda do Filho, como uma força emanada do próprio Deus [esta visão é bem próxima do que crêem as Testemunhas de Jeová, que poderiam ser chamados de semi-arianos].

Outra variação dessa mesma doutrina diz que Cristo é Deus, e como a Bíblia diz que há um único Deus, Jesus Cristo é Deus em plenitude, sendo ele o Pai, o Filho e o Espírito Santo [unicismo]. Esta corrente doutrinária está em processo de difusão entre os pentecostais, especificamente.

Em sua maioria, os unitaristas e unicistas são também universalistas, acreditando que haverá uma salvação final para todos os homens, inclusive o diabo e seus demônios, como propunha Orígenes. Além de não crerem na divindade de Cristo, rejeitam-no como Salvador e Redentor.

Há uma boa variedade de conceitos díspares nessas crenças, dependendo do grupo que se estude, podendo ser em maior ou menor grau as divergências, mas resumida o suficiente para considerá-los hereges. Seria essa a linha geral de suas doutrinas. Podemos desconsiderar os detalhes capciosos das doutrinas antitrinitarianas, pois esse elemento geral está presente em tudo o que os rege, e em tudo o que professam.


LOBO EM PELE DE OVELHA ENTRE OS TOLOS E INCAUTOS

Alguns, se utilizam de formas engenhosas e sutis de se expressar, como o bispo Eusébio de Cesárea: “E quem, a não ser o Pai, poderia conceber sem impureza a luz que é anterior ao mundo e a sabedoria inteligente e substancial que precedeu aos séculos, o Verbo vivente no Pai e que desde o princípio é Deus, o primeiro e único que Deus engendrou antes de toda a criação e de toda a produção de seres visíveis e invisíveis, o general do exército espiritual e imortal do céu, o anjo do grande conselho, o servidor do pensamento inefável do Pai, o fazedor de todas as coisas junto ao Pai, a causa segunda de tudo depois do Pai, o Filho de Deus, genuíno e único, o Senhor, o Deus e Rei de todos os seres, que recebeu do Pai a autoridade soberana e a força, junto com a divindade, o poder e a honra? Porque, em verdade, segundo o que dizem d’Ele os misteriosos ensinamentos das Escrituras: No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada foi feito”. 

Outros, sem sutileza alguma, expressam aquilo que lhes vem à mente sem qualquer constrangimento em suas falsas autoridades, como certo autodenominado “Apóstolo”, que escreveu no site da sua igreja, e, posteriormente, suprimiu o texto sem qualquer explicação: “Muita gente pela tradição da religião, não entende a historia de Jesus. Alguns falam de natal, mas ninguém sabe o dia exato em que Jesus Cristo nasceu. Segundo que Jesus já existia muito antes de tudo. Ele é a imagem do Deus invisível, a encarnação do verbo. Mas ele não é sempiterno, é eterno. O pai que é Deus é sempiterno, aquele que antes dele nunca existiu como ele, nem existirá depois dele, sempre existiu e sempre existirá. A primeira obra dele foi Jesus Cristo, não a partir de Maria, que foi obra do Espírito Santo para ser feito carne, antes ele já existia. “Façamos” é no plural, porque Jesus estava com Ele e a palavra que lemos confirma”.

Analisemos o que nos diz o famigerado "apóstolo", e que não é difícil de se refutar. Pois bem, ele diz: "Muita gente pela tradição da religião não entende a história de Jesus". Qual é o alvo do seu ataque? A igreja, que durante séculos e séculos tem sido usada pelo Espírito Santo para defender a fé cristã e a sã doutrina, em especial, o centro do Cristianismo, sem o qual ele não teria o menor sentido ou significado: a divindade de Cristo. O que ele está tentando dizer é que tudo o que a igreja acreditou durante os últimos dois mil anos a respeito do Senhor é fruto da ignorância. Ele diz que ela “não entende a história de Jesus”. Assim se coloca numa posição privilegiada, numa condição superior, de crítico e de único entendedor ou, talvez, de participar de um seleto grupo de entendedores a respeito de quem é o Cristo. Até então, houve apenas um ataque sem fundamentação, sem argumentação, de simples especulação, de que a culpa de toda a ignorância da igreja sobre o assunto é fruto da tradição. Mas em quê essa tradição [que podem ser todos os debates ao longo da história da igreja, que podem ser os Concílios, os estudos meticulosos de homens fiéis que se debruçaram sobre as Escrituras, o testemunho dos santos que foram martirizados pelo nome de Cristo], pode levar a igreja à ignorância por tanto tempo? 

Sabemos que desde os primórdios satanás levantou homens na igreja para atacarem a verdade: Ário, Montano, Sabélio, Marcião, Nestório, Socino, Serveto e muitos mais como eles. E eles mesmos seguem uma tradição de, tempos em tempos, retornarem ao próprio vômito, numa espécie de “revival” maligno. Afinal essa heresia não foi criada pelo “apóstolo”, nem pelos seus seguidores, mas ela remonta aos séculos 2 e 3 da era cristã. Portanto, o único argumento utilizado pelo “apóstolo”, de que a ignorância da igreja se deve à tradição, é um tiro no próprio pé. 

Em seguida, para defender o seu argumento de que a tradição é culpada pela ignorância da igreja, ele se utiliza do natal para justificá-la. Ora, se o fato da Bíblia não revelar a data exata do nascimento de Jesus implica em que o natal nada mais é do que uma tradição, sem base bíblica, a crença na divindade de Cristo somente pode ser equiparada ao natal, como fruto de outra tradição da igreja. Acontece que, se a Bíblia não revela a data exata do nascimento do Senhor, isso não quer dizer que não se possa comemorá-la, não como uma data específica mas como o advento da encarnação do Verbo divino. A mesma Bíblia nos dá uma profusão de trechos e versos em que a divindade do Senhor Jesus é declarada. 

Então, ele diz sobre Cristo: "Ele é a imagem do Deus invisível, a encarnação do verbo. Mas ele não é sempiterno, é eterno. O pai que é Deus é sempiterno, aquele que antes dele nunca existiu como ele, nem existirá depois dele, sempre existiu e sempre existirá". 

Tem-se a afirmação de que o Senhor é a imagem do Deus invisível, a encarnação do verbo, o que é uma verdade. Mas dita por sua boca, certamente os termos “imagem” e “encarnação do verbo” têm sentidos diversos do que a Escritura diz. Quando ele escreve “encarnação do verbo” em minúsculas demonstra ter a idéia de que o verbo não pode ser equiparado a Deus. De que ele é inferior e não faz jus ao “V”. Isso não é descuido, mas intencional. Com a aparência de verdade, ele distorce-a, e cria uma mentira.

A expressão “imagem” estará ligada a uma certa aparência, a uma certa semelhança, que não é igualdade essencial, assim como nós somos semelhantes e a imagem de Deus. Em outras palavras, o “apóstolo” está dizendo que, como nós, Cristo é um ser criado, parecido com Deus, mas não é Deus. Logo, ele mesmo confirma o dito com um jogo de palavras ao diferenciar “sempiterno” de “eterno”. Fiz uma busca em vários dicionários portugueses e o que encontrei não foi distinção entre os termos mas igualdade. Sempiterno e eterno são sinônimos em, pelo menos, três dicionários conceituados, Priberan, Michaellis e Aurélio.

Mas pode ser que ele tenha proferido a sentença não do ponto de vista semântico, mas do ponto de vista filosófico. Porém, se ele vislumbrou essa diferenciação a partir da conceituação dos termos, deveria indicá-la, explicando o sentido que lhes deu. Mas, pelo pouco que compreendo de filosofia, o sempiterno e eterno significam a mesma coisa. Fico com a definição de Tomás de Aquino, na qual eterno é a “posse total, simultânea e perfeita de uma vida sem limites", caracterizada pela ausência de princípio e fim, e pela ausência de sucessão, porquanto, para ele, é um presente eterno.

Distinguir o que é igual em nada ajudará o “apóstolo”, mostrando apenas a sua incapacidade em lidar corretamente com a questão. Mas a distinção tem por objetivo unicamente rebaixar a Cristo, reputando-o como criatura e não como Deus eterno. Então, ele diz que “O pai que é Deus é sempiterno”. O fato de se distinguir Deus chamando-o de “pai” já mostra a confusão em que o “apóstolo” se meteu, ou a confusão que deseja meter nas cabeças alheias. Os unitaristas e unicistas em sua loucura, e como todo louco é incoerente, utilizam-se dos termos trinitarianos para explicarem sua heresia. Não lhes bastam as palavras do próprio Deus, creio que seria necessário que estivessem lá, in loco, para ver que o Pai, o Filho e o Espírito Santo sempre são; mas isso os faria iguais a ele, então penso que essa deve ser a maior frustração deles: já que não podem ser Deus, imaginam que a saída seja se rebelarem contra ele da forma mais baixa e desprezível possível, atacando aquele que disse: quem vê a mim, vê ao Pai [Jo 14.7-9], e, “Porque, como o Pai tem a vida em si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em si mesmo” [Jo 5.26]. Ah, como gostaria que eles explicassem esses versos sem os malabarismos que insistem em executar, quando estão acuados pela verdade. 

Mais à frente em nosso estudo, meditaremos sobre a Pessoa de Cristo, em seus aspectos divinos e humanos, o que dará o entendimento correto sobre as afirmações bíblicas sobre ele, e que os unitaristas, como o “apóstolo” negligenciam vergonhosamente, para a sua própria desgraça.


Notas: [1] Aula realizada na E.B.D. do Tabernáculo Batista Bíblico 
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ÁUDIO DA AULA 35:

28 fevereiro 2024

A trégua e o ludopédio

 



 Jorge F. Isah



Em tempos de guerra, não poderíamos deixar de falar sobre algo que literalmente mexe com os ânimos e nervos das pessoas. Há comoções, análises, discussões acaloradas, profecias (a quase totalidade, palpites) e opiniões de todos os lados, normalmente sem qualquer conhecimento dos fatos e baseadas apenas e tão somente nas tendências ideológicas de um e de outro, ou de muitos. A guerra, por si só não basta, é preciso haver combates nos lares, escritórios, salas de aula, ônibus, metrô e, pasmem, nas salas de cirurgias. E os dias se arrastam, enquanto imagens de um cãozinho abandonado, um velhinho desencantado, ou uma criança chorando, repetem-se à exaustão nas telas e touch screen mundo afora. Não censuro quem aja assim, é sinal de que nem tudo ainda está perdido, mas existe um componente de hipocrisia na identificação com o sofrimento estrangeiro e quase nada com a dor pátria. É mais fácil e seguro escolher por quem se solidarizar, não é?

Neste momento, milhares de velhos, crianças e animais sofrem tanto, ou quase tanto, como os ucranianos, sírios e cristãos (existem lugares, e não são poucos, onde o cristão é sistemicamente condenado à espoliação, tortura e morte). E, talvez, a explicação esteja no pouco ou nada a se fazer com os gringos, enquanto o muito a ser feito aos compatriotas se ignora e mantém-se a ilusão de agir humanamente, quando não passa de egoísmo e insensibilidade. Com isso, não estou a generalizar, pois é evidente haver em todos os lugares bons e maus exemplos, mas a falar de uma parcela de pessoas cujo discurso é sempre lindo e altruísta, mas as ações se tornam egocêntricas e desinteressadas... Tudo pelo like, tudo por um like, e os quinze segundos de fama.

Contudo, este não é o tema principal, ainda que tenha relação, pois quero voltar a 1914, o início da I Grande Guerra, e um fato a marcá-la mais do que as estratégias e conflitos, havendo um silêncio quase obsceno dos livros, documentários e aulas de história sobre ele; onde a alusão deu lugar ao mais completo lapso. Em meio aos combates, aproximou-se a época do Natal, alguns meses após iniciarem-se os prélios. Em Ypres, na Bélgica, onde ingleses e alemães se entrincheiravam em suas batalhas, ocorreu uma trégua não oficial, decretada pelos próprios soldados. Então, enfeitaram os campos com motivos natalinos, entoaram canções natalinas, e os inimigos se uniram em uma grande celebração a fim de festejar e homenagear o nascimento do Salvador. Durante seis dias, a zona de morte se tornou em lugar de vida, regada à mais simples e genuína alegria. Fico a pensar naqueles momentos, onde as discordâncias, as rusgas, o ódio, o antagonismo e o belicismo fora substituído por abraços, conciliação, paz e eufonia, motivados por um símbolo, mas também o modelo, a figura, a congregar todos os desejos de união fraterna... Já imaginou Putin, Maduro, Zelensky e Biden formando o time “A” da ONU? E Cameron, Bolsonaro, Xi Jinping e Scholz no time “B”? Só não pode chamar nenhum deles para a arbitragem... É certo que a maioria tome cartão vermelho, e a partida seja suspensa por falta de quórum.


Voltando ao que interessa, quão doloroso foi, certamente, retornarem à guerra e cumprir ordens marciais, sob pena de, ao não fazê-lo, tornarem-se traidores e sumariamente condenados à morte. Evidente haver sempre, e em todos os lugares, alguns ou muitos a se oporem à concórdia pelo íntimo desejo de ruína e extermínio, o bem a não ser sequer lembrança, muito menos o absoluto pelo qual os homens e seus atos devam ser contidos e, em último caso, julgados. Isto para a fortuna geral, mas também individual, sem a qual nenhum direito ou liberdade será tangível, a despeito dos infinitos discursos e enunciados ofertados e prometidos, ao manipular paixões, sentimentos e convicções; e o fim ao qual dizem buscar estará distante e, cada vez mais, inatingível à humanidade.

Não falo de opiniões e suas divergências, nem de gostos e vontades subjetivas, mas de algo objetivo e sem o qual ninguém, no passado, hoje e nunca, dirá: “celebremos e nos fartemos, porque a vida não vale nada, e o apreço a ela é desmerecido”... e pode-se mesmo justificar a sua supressão por um direito tirânico, seja os campos de extermínio na Sibéria, em Dachau, ou na clínica Parenthood mais próxima; seja nas ruas, lares, morros e arranha-céus; seja qual for o método, se a vida não é valorizada, não existe trégua, nem armistício, nem vitoriosos, apenas bilhões de vencidos, e que não são meramente vítimas mas verdugos de si mesmos. Sim, falo do óbvio, não de estratagemas e manobras da novilíngua orwelliana a fazer com que se pense que tudo é vida, e deve ser preservado a todo custo, mesmo a morte.


        Memorial à Trégua de 1914, inaugurado em Frelinghien, França, em 2008.


Aquele Natal, um século atrás, onde até mesmo uma partida de futebol foi realizada, pôs fim às tréguas não oficiais, e todos, a partir de então, estavam aprisionados, a massa de rebeldes, às conquistas a que somos amealhados mas jamais chamados, tal como gado para o arado. Porque o convite se pode recusar, mas o laço... ah, o laço!... depois do nó dado, não se solta, nem dele se sai.

Por fim, a vida é simples, tem seus obstáculos e perigos, claro, mas a tornamos em algo tão insano, contraditório e inconciliável que não restou outra coisa senão a guerra.

E o placar nunca será 0 x 0.
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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga.

23 fevereiro 2024

O Velho e o Mar - Ernest Hemingway


 


Jorge F. Isah



Como sempre acontece, existem leituras a suscitar curiosidade e interesse, mas negligenciadas, seja lá por qual motivo, durante anos e mesmo décadas. “O Velho e o mar” é uma delas. Li a novela (há quem insista em chamar de romance, mas eu prefiro descrevê-lo como novela) ainda adolescente, e sempre nutria, à medida que os anos avançavam, o desejo de reler, ou melhor, de lê-lo de verdade. Se inicialmente as impressões eram sobre a luta do homem com a natureza e suas forças aleatórias e caóticas, sobre a sobrevivência em seu estado mais puro e brutal, a velhice e inevitabilidade da morte, pude confirmar a maioria e acrescentar algumas outras.

Desde quando li, pela primeira, “Adeus às Armas” e embrenhei-me na escrita do americano, ela sempre me pareceu realista, quase ao ponto de ser autobiográfica, com poucos elementos ficcionais. A verdade é que o estilo de Ernest é muitas vezes áspero e violento, sem deixar, contudo, de esbarrar na poesia, sentimentos e emoções, e até mesmo em aspectos transcendentes, sem alijar a costumeira objetividade.

Talvez este seja o seu livro mais delicado, sem ser piegas ou ingênuo. Não. Em nada a história pode ser classificada por singela ou bucólica. Trata-se de um livro de sobrevivência, de luta pela vida, pela morte, de sucesso e fracasso. O próprio Hemingway se via as voltas com o ostracismo literário após o sucesso estrondoso de “Por quem os sinos dobram” (presente em minha lista há algumas décadas), morando em Cuba e se tornando ele mesmo um espectro do “velho” no mar. Nos dez anos a anteceder a publicação desta novela, o autor não produzira nada a chamar a atenção da crítica e público, e muitos o consideravam acabado para a literatura.

Mas, ele deu a volta por cima, e o velho Santiago, alterego de Ernest, é um ancião que perdeu a sorte na pesca e está há mais de oitenta dias sem fisgar nada. Alguma semelhança?... Dia sim, outro também, põe o seu barco em movimento e, como se diz entre os pescadores, leva as suas iscas para tomar banho. Não tem parentes ou amigos, à exceção do jovem aprendiz Manolin, a acompanhá-lo nas pescarias frustradas. Com isso, seus pais convencem o rapaz a abandonar o mestre e se juntar a outro que ainda não perdera a sorte. Manolin, como fiel escudeiro de Santiago, eleva-lhe o ânimo e estima, resgata histórias vividas por ambos e os vários sucessos nas investidas marítimas. Também supre-lhe as necessidades de comida, jamais o renegando.

Certa manhã, Santiago sai disposto a reverter o seu azar, novamente estimulado pelo pupilo, e aventura-se sozinho em mar aberto, no seu pequeno pesqueiro, e trava uma luta que durará dias com um Marlin azul ou Peixe-espada. Não foi à toa que Hemingway escolheu esse peixe, considerado por pescadores um dos maiores “brigadores” dos oceanos, capaz de chegar a quatro metros de comprimento e pesar meia tonelada. Essa era a sua batalha com outro “monstro” capaz de destruir almas e desgraçar vidas: a literatura. Diante do papel em branco, enfrentá-lo não é para qualquer um, seja calejado ou não no ofício da escrita. Em outras palavras, para o velho (ou Hemingway), era uma peleja difícil de se vencer, mas necessário desafiá-la. Com o tempo, adquire um certo “companheirismo” com o espadarte, passa a admirar a sua valentia, e até mesmo se arrepende de tê-lo pescado.

Em um dos momentos de meditação, ponderou:

“É maravilhoso e estranho, e quem sabe como será velho, pensou. Nunca apanhei um peixe tão forte, nem que se portasse tão estranhamente. Talvez não esteja disposto a saltar. Podia dar cabo de mim com um pulo ou uma correria desenfreada. Mas talvez já saiba o que é um anzol e que é assim que lhe convém lutar. Não pode saber que é um só contra ele, nem que é um velho. Mas que grande peixe! E, se a carne é boa, o que não dará no mercado! Mordeu a isca como um macho, é como um macho que puxa, e luta sem pânico algum.
Terá quaisquer planos, ou estará apenas tão desesperado como eu?”.[1]

Isolado, solitário, sem forças, com pouca água e comida, ferido, medita sobre várias coisas dos céus, da terra e do mar, e, entre elas, pairam dúvidas inclusive sobre sua profissão:

“Talvez eu não devesse ser pescador, pensou. Mas foi para isso que nasci. Não devo esquecer-me de comer a “tuna”, antes de aclarar”[2].

E reconhece também ser o peixe mais forte do que si, e a necessidade de não deixá-lo perceber sua fraqueza. Gostaria também que o garoto estive ali, para ajudá-lo a subjugar o animal:

“É um grande peixe, e tenho de o convencer, pensou. Não devo deixa-lo nunca tomar conhecimento da sua própria força, nem do que poderia fazer se corresse. Se eu estivesse no lugar dele, jogava o tudo por tudo, até que alguma coisa rebentasse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, que os matamos, embora sejam mais nobres e mais capazes”.[3]

“Se o rapaz aqui estivesse, molharia as voltas da linha, pensou. Sim. Se o rapaz cá estivesse. Se o rapaz cá estivesse”.[4]

A narrativa é simples, acessível e moderada, sem ser bárbara (apesar de sanguinolenta e terrível) e, mesmo diante da morte e do iminente fracasso, permanece suave, tal qual calmaria após a tempestade. Certamente não é fraqueza, mas o sábio a reconhecer o imponderável e forças muito acima da sua capacidade e entendimento, a controlar o destino e rematar-lhe o final. Para um livro pequeno, a quantidade de significados abarcados são inúmeros; tem o caráter metafórico e análogo no conflito empreendido por Santiago e a saga de Hemingway as voltas com outro grande adversário: o desafio de vencer uma página por dia. Além, claro, dos aspectos a permear a vida de qualquer um, seja em qual tempo for, independente da situação, lugar ou circunstâncias, a verdade é que o livro tem caráter universal, aplicável a um, muitos ou todos, em diferentes nuances e minucias e, por isso, ganhou sucesso imediato.

Houve adaptações para o cinema (quero assistir ao Spencer Tracy), no teatro e na literatura. Não entendo a razão de muitos clássicos tornarem-se resumos ou sinopses. Especialmente quando se trata de uma obra próxima das cem páginas. Existe a peculiaridade de se tornar palatável e acessível volumes enormes a algumas dezenas de laudas, para atrair o público jovem, mas desconfio do tratamento dispensado a elas, mesmo saído da pena de grandes escritores.

Na infância, convivi com adaptações de Carlos Drummond de Andrade, Raquel de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Marques Rebello, entre outros nomes vultuosos e emblemáticos no Brasil, e usados nas aulas de português. Poder-se-ia, ao menos, cogitar um ou outro original, mas desde aquela época existia o hábito de subestimar alunos e tratá-los por incapazes de entender esse ou aquele autor, e vê-los como mendigos intelectuais. Vá lá! Nem tudo é possível ao inexperiente e juvenil leitor, mas aí se encontra a razão ou a lógica do mestre. Afinal, a ele é dado auxiliar e mesmo descortinar as complexas questões literários e da vida, certo? Errado. Já que cada vez mais os alunos são rebaixados e submetidos à pseudo literatura e pseudo autores, o trabalho se fazia mais fácil, e sem esquecer os interesses camuflados, jamais os estudantes tomarão contato com o que possa haver de real e verdadeiro. Dão-lhes a falsa ideia de ter, quando o pouco que não têm, é-lhes tirado.

Livros de quinhentas, seiscentas ou mais páginas eram condensados em cem, cento e poucas, e apesar do talento dos adaptadores, sempre foram mais danosas do que uteis. Então, me pergunto: qual o significado de resumir cem páginas em dez ou vinte?... O leitor indisposto a ler “O velho e o mar” se interessará por algo ainda mais diminuto; e, com o tempo, será capaz de apreciar os livros de Dickens, Dostoiévski, Tolstói, Mann, Faulkner e outros prolíferos escrevinhadores? Duvido. Na verdade, é impossível. Serve apenas para facilitar e sustentar a preguiça e o desânimo de apedeutas, sejam “professores” ou “pupilos”. E, com isso, se privam do melhor e mais rico “testamento” da humanidade, preferindo a ignorância de salamaleques e giros seminus ou tropeções na própria sombra... Fantasiados de docentes ou aprendizes. Quando não se ensina, ou não se está disposto a aprender, o que resta a não ser imitar macacos, funkeiros e exibicionistas? Resta os megalômanos e orgulhosos do TikTok, Instagram e OnlyFans, entre outros menos votados.

De volta ao livro, o final é ao mesmo tempo, trágico e belo. O renascimento na tragédia. A aurora após noite tenebrosa e revolta. Talvez Hemingway tivesse, tal qual o seu personagem, um novo sopro de vida em meio as vicissitudes e percalços. Mas a história, porém, não foi capaz de confirmar esse prenúncio, e sabemos no que deu, infelizmente.

Resta-nos, portanto, apreciar a intricada, mas inteligível, obra de “Hem”, composta de acertos e erros do homem Ernest, mas também do genial escritor; repleto de vida, ainda que esteja sempre a pairá-la a escorregadia e capeada morte.

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Avaliação: (****)

Título: O velho e o mar

Autor: Ernest Hemingway

Páginas: 80

Editora: Livros do Brasil

Tradutor: Jorge de Sena

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Notas: [1] Página 28 e 29

[2] Página 30

[3] Página 37

[4] Página 49

[5] Texto publicado originalmente na Revista Bulunga

18 fevereiro 2024

Estudo sobre a Confissão de Fé Batista de 1689 - Aula 34: O poder soberano de Deus - Parte 2





Jorge F. Isah

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Introdução

Espero que os irmãos tenham lido o texto da semana passada, e possamos concluí-lo na aula de hoje.

Fazendo um pequeno resumo, analisamos a questão da soberania de Deus a partir de um diálogo entre um padre e um ateu em um banco de praça. Os irmãos se lembram do que foi discutido na última aula? Poderiam apontar um ou mais pontos debatidos?

O primeiro ponto que levantei foi o de que os nossos inimigos estarão sempre dispostos e armados para desestabilizarem a nossa fé, de forma a virmos descrer nos fundamentos que nos sustentam.

Segundo, analisamos alguns versículos que afirmam ser Deus poderoso para realizar tudo, até mesmo o impossível, mas nunca contra a sua vontade e natureza. De forma que tanto a sua natureza como vontade são os limitadores de Deus, que o impedem de realizar tudo que não esteja consoante com a sua vontade, sabedoria, santidade, justiça, etc..

Um ponto que não foi discutido naquela aula e que gostaria de tocar agora é quanto a essa disposição do incrédulo de nos perverter e desencaminhar da fé. O que os irmãos acham? Isso é possível? Um crente verdadeiro descrer ou deixar-se corromper pelo discurso mundano e, mesmo temporariamente, como Pedro diz, voltar ao próprio vômito? Sendo mais específico, um crente pode apostatar ou desviar-se, no sentido de voltar às mesmas práticas e à mente que tinha antes da conversão?

Leiamos os seguintes textos [1]:

Jr 32. 38-40: "E eles serão o meu povo, e eu lhes serei o seu Deus; e lhes darei um mesmo coração e um só caminho, para que me tema todo os dias para seu bem e o bem de seus filhos, depois deles. E farei com eles uma aliança eterna de não me desviar de fazer-lhes o bem; e porei o meu temor nos seus corações, para que nunca se apartem de mim".

Jo 10.28,29: "E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém as arrebarará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai".

Jo 6.37: “Todo o que Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora”.

Jo 17.2, 9: “Assim como lhe deste poder sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos quantos lhe deste... Eu rogo por eles, não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”.

E, então, temos uma grande promessa do Senhor: “Pai, aqueles que me deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a minha glória que me deste; porque tu me amaste antes da fundação do mundo” [Jo 17.24].

Fp 1.6: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo”

I Pe 1. 3-5: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a sua grande misericórida, nos gerou de novo para uma vivia esperança, pela ressureição de Jesus Cristo dentre os mortos. Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos céus para vós, que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo".

Terceiro, em dado momento, o ateu propõe uma “pegadinha” ao padre, um sofisma, o qual é: Deus pode criar uma pedra que não pode carregar? O padre afirma que sim, pode. E o ateu propõe que se Deus pode criar algo que não pode carregar, ele não é onipotente. E se ele não puder criar a tal pedra, também não é onipotente. Ao que o padre responde: “afinal, decida-se! Você quer que Deus crie a pedra ou que ele a carregue?". Na verdade, o ateu formulou duas afirmativas que se contradizem, o tal sofisma.

Quarto, E o padre ilustra o seu pensamento com o episódio da morte e ressurreição de Lázaro.

Continuemos de onde paramos na aula anterior; os comentários estarão sempre em itálico entremeados ao diálogo do padre e do ateu:


Deus pode criar, hipoteticamente, uma pedra que não possa carregar?

- Pois é. Como o senhor deve saber, quem pode o mais, pode o menos, ou seja, Jesus, de algum modo, poderia ter tirado a pedra, mas, também, de algum modo, não pôde fazê-lo. Ou seja, Deus criou aquela pedra e Deus não a pôde erguer.
O ateu não se deu por vencido:
- Bom, mas, como o senhor mesmo disse, Jesus poderia, sim, tirar a pedra, apenas não quis fazê-lo... Isso não é o mesmo que "não poder fazer".
- Mas, perceba: quando alguém pode tudo, pode, inclusive, limitar-se. Se não pode limitar-se, não pode tudo. Ademais, a sua dúvida está na onipotência de Deus, que Ele possa tudo e não que não possa alguma coisa... Se Ele não puder carregar a pedra, torna-se impotente, concorda?
O ateu sorriu como se o "rei" do padre estivesse, agora, fadado ao "xeque-mate”.
- Mas aí então, Deus não poderia criar uma pedra que não pudesse carregar...
- Mas é claro que pode, insistiu o padre:
Veja: Deus criou você para que você cresse nEle... mas você crê?
- Não, não creio.

O que os irmãos pensam dessa afirmação? Deus criou o homem para que cresse nele? De certa forma, sim. Acontece que no Éden, onde a humanidade caiu junto com Adão, a queda se deu exatamente por conta da descrença de Adão e Eva. Eles simplesmente duvidaram do que Deus havia lhes dito, preferindo crer no que o seu coração insensato dizia ou maquinava e na mentira da serpente.
Se Deus criou o homem para crer, ele não creu por si mesmo. O Éden prova isso. Para que o homem cresse, foi necessário que Deus operasse nele, de forma a mudá-lo e transformá-lo à imagem do seu Filho Amado.
Veja bem, todos os homens têm em si fragmentos de Deus, o Imago Dei, contudo esses fragmentos não revelam a condição pecaminosa e caída do homem, nem o seu estado de rebelião e desprezo a Deus, nem a necessidade de arrepender-se e reconciliar-se com Deus. Isso somente é possível pela ação do próprio Deus, regenerando o homem, o qual, então, estará ligado a ele, em constante transformação, santificação, para, enfim, naquele glorioso dia ser semelhante ao homem perfeito: Jesus Cristo.
Todos os homens, sem exceção, são descrentes, e nasceram em descrença. Aprouve a Deus chamar uma parte deles à fé, à crença em Deus, que se dará a partir da ação regeneradora e santificadora do Espírito Santo. De forma que, se Deus quisesse que todos os homens cressem nele, eles creriam, e se não crêem é porque Deus não criou a todos para crer, mas antes, ao menos no princípio temporal da vida de cada um, criou-nos para descrer. Cremos somente pela pregação do Evangelho, o qual o Espírito Santo usará para nos revelar a nossa condição e a necessidade de arrependimento, de se pedir perdão a Deus pela nossa condição incrédula e ofensiva diante dele.
Esta visão do padre, na verdade, antes de exaltar a soberania de Deus, revela que ele é um ser limitado por conta de suas criaturas, e que criou para si mesmo limitações exteriores, que de alguma forma alteram a sua essência, impedindo-o de ser o que é. Como a Escritura nos afirma que Deus é imutável, ele não pode, em hipótese alguma, ter limitações que não sejam estabelecidas por sua natureza santa e perfeita ou por sua vontade igualmente santa e perfeita, eternamente.
Um exemplo que se dá é de que Deus poderia criar vários mundos, inclusive perfeitos. E é uma verdade. Acontece que encontramos apenas um mundo, o qual ele considerou bom, e de que esse é o único mundo possível; e assim ele quis. Qualquer hipótese de outros mundos criados estará sempre circunscrita à vontade divina de criá-los, sem a qual, nada pode vir a ser. E a vontade divina tem por propósito uma única coisa, a meu ver: a Sua glória! Que é revelada, entre outras coisas no todo poder com que ele realiza a sua vontade: na criação, na sustentação da criação, na redenção do homem, na preservação, santificação, e no reino eterno de Cristo, que não terá fim. Pois nada há que possa satisfazê-lo além de si mesmo, e tudo o que criou somente o satisfará se for realizado segundo a sua vontade. Logo, a vontade divina é a causa primeira, e o homem, ao rejeitá-la, ataca exatamente esse ponto inatacável [2].
Se Deus criou o homem para crer nele, e esse homem não crê, há um conflito de vontades e interesses, e o que temos é a vontade divina subjugada à vontade humana, estando essa prevalecente em relação àquela. Mas isso é viável? Claramente a Bíblia afirma que não. Deus se satisfaz em realizar a sua vontade, e ela acontecerá infalivelmente, sendo que Deus jamais se frustrará. 

- Pois é, continuou. Deus criou a sua liberdade e não pode removê-la, pois se auto-impôs esse limite. Com efeito, Deus pode tudo porque pode, inclusive, dizer o que não pode fazer. Quando alguém pode dizer o que não pode fazer, embora o possa, é porque, de fato, pode tudo.
O ateu agora estava em silêncio...
O padre pegou no seu ombro e concluiu:
Assim como a pedra que prendia Lázaro, a sua liberdade é algo que Deus criou, mas por uma auto-limitação, não se permite mover. A sua liberdade, meu amigo, é a pedra que Deus criou e que não pode mover.
Dizendo isso, afastou-se do ateu que permanecia pensativo no banco da praça, alheio à chuva mansa que se iniciara.
Lister Leão

Na verdade, Deus não pode criar uma pedra que não possa carregar, pois ele pode tudo, tanto criá-la como carregá-la. A proposição do ateu é simplesmente absurda, ilógica, e impossível, pois Deus estando fora da realidade da pedra, e como criador dessa realidade, simplesmente não tem qualquer limitação, nem mesmo a de se autolimitar em relação ao mundo exterior, à criação. A autolimitação divina está circunscrita à sua natureza santa e perfeita e à sua vontade. Nada mais pode impedi-lo ou restringi-lo. Nem mesmo a suposta liberdade que o homem diz ter, e que, em algum aspecto, seria limitadora da vontade de Deus. Porque Deus é Deus, e não pode deixar de sê-lo [Dt 4.35; Sl 100.3].
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Notas: [1] Textos analisados mais detidamente no áudio da aula, bem como a questão da justiça e bondade divinas.
[2] Novamente indico o texto "Deus não tem escolhas", o qual pode elucidar de maneira mais satisfatória o que estou apenas a discorrer preliminarmente aqui.
[3] Aula realizada no Tabernáculo Batista Bíblico 
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ÁUDIO DA AULA 34:

15 fevereiro 2024

Irmão Marx: três que valem por cinco

 



                 Os Irmãos Marx juntos com Charles Chaplin e Buster Keaton formam, provavelmente, o triunvirato do humor cinematográfico, os verdadeiros reis da comédia. Se Keaton era um ator excepcional e fazia rir sem mudar o menor traço em suas feições (o oposto dele seria Jerry Lewis, outro grande comediante), Chaplin era um mímico formidável, e The Brothers Marx  eram o verdadeiro caos, a babel instalada nos palcos e na tela, porém com uma precisão incrível. Todos vieram de famílias que trabalhavam no mundo do entretenimento, mais especificamente o gênero vaudeville (no Brasil, algo do tipo mambembe), cujos limites não estavam restritos à simples interpretação mas também afeito ao estilo circense, sendo, portanto, bastante popular na Europa e América, e incluía músicas, danças, animais treinados, acrobacias, mágicas, e tudo o que pudesse fazer a diversão dos espectadores, inclusive a comédia, certamente o ponto alto dos shows.

                Nesse ambiente os Irmãos Marx foram introduzidos, ou melhor, estavam inseridos, portanto nada mais natural foi seguir os passos da mãe e do tio (Abraham Elieser Adolf Schönberg que adotou o nome artístico Al Shean), e desenvolver habilidades para os palcos. Aprenderam música, tornaram-se instrumentistas, interpretes, eram palhaços, acrobatas, quase tudo apreendido de maneira intuitiva, assistindo a repetição exaustiva dos mais velhos, entregando-se ao exercício de imitar e reproduzir-lhes as performances, e assim aprimorar esses estilos.

                Nascidos em Nova York, filhos de imigrantes judeus (a mãe era alemã, de Dornum, Frísia Oriental, e chamava-se Minnie Schoenberg, e o pai, Samuel Marx, francês, de Mertzwiller, uma aldeiazinha na Alsácia), fizeram boa parte das apresentações do início de carreira na cidade, principalmente na região onde moravam, Upper East Side, bairro formado por imigrantes irlandeses, alemães e italianos.  Diz a lenda, que o pai, “Sam”, era melhor cozinheiro do que alfaiate, profissão que abraçou a fim de sustentar a família de forma regular, pois o teatro, cheio de altos e baixos, nem sempre era suficiente para custear as despesas.

                                

                                          Minnie Marx com os netos Maxine e Arthur                                   “Sam” Marx e os filhos Zeppo, Chico, Groucho e Harpo

                                                                                                                             
                                      Sam e Minnie tiveram seis filhos e uma filha adotiva. O primogênito, Manfred (Manny), morreu aos sete meses de enterocolite com astenia, em 1886. Os demais, em ordem cronológica, e a origem provável dos seus cognomes, foram:

                Chico nasceu Leonard Marx, em 22.03.1887, e existem duas hipóteses para o apelido. A primeira, por perseguir as “galinhas” ou garotas fáceis em seus tempos de adolescente. Então, nada mais simples do que chamá-lo de Chico (pronuncia-se Chick-o), derivado de “Chicken” em inglês. A segunda, se deve ao seu significado em italiano, garoto ou rapazinho. Muitos relatos dão conta de ser ele o preferido da matriarca, Minnie (na certa por vir após a morte de Manny), e geralmente causava ciúme em Groucho.

 


               Harpo nasceu Adolph Arthur Marx, em 23.11.1888. A origem do apelido é bem mais simples, pois vem do seu virtuosismo em tocar Harpa, que aprendeu sozinho, pois a família não dispunha de recursos para pagar um professor.



 Groucho nasceu Julius Henry Marx, 02.10.1890. Ele usava sempre uma bolsa dependurada ao pescoço, chamada de “grouch bag”, onde levava moedas e outras quinquilharias. Daí a origem do apelido.



 Gummo nasceu Milton Marx, em 23.10.1892. Seu apelido é mais simples e advém dele sempre estar mascando chicletes ou goma, “gum” em inglês. Alguns sugerem também ser pelo fato dele usar galochas de borracha.



 

                Zeppo nasceu Herbert Marx, em 25.02.1901. Consta que o apelido se deve à primeira viagem do dirigível Zeppelin à América coincidir com o seu nascimento.



                 Polly, a irmã mais velha, era uma prima que o casal Marx adotou desde a mais tenra idade, nascida em janeiro de 1885.

                 


                                                                                                  A família Marx nos primórdios em N.Y.

                         No início, estabeleceram-se como músicos, algo que os pais estimularam desde cedo. Minnie nutria o desejo de vê-los progredir e prosperar no teatro, e, quem sabe, alcançarem a fama e realização que lhe faltou como artista. Tratou logo de empresariá-los, promovendo-os em pequenos palcos e viagens pela América. Chico tocava piano como ninguém jamais tocara. Sua mãe lhe dava 5 cents semanais para o pagamento das aulas, mas ele os gastava em apostas, e acabariam por levá-lo à miséria, se não fosse a ajuda sistemática de Harpo e Groucho.  Harpo era exímio harpista, talentoso até mesmo para os moldes eruditos da época, e chegou a tocar bem mais outros cinco instrumentos. Groucho violonista e cantor. Em 1907, Groucho e Gummo apresentavam-se como cantores, ao lado de Mabel O’Donnel; formavam o “The Three Nightingales”. Um ano depois, Harpo se uniu ao grupo, sendo o quarto “rouxinol”. Em seguida, o grupo foi rebatizado para “The Six Mascots”, com a adesão da mãe Minnie e da tia Hannah, mas não durou muito. Entretanto, em 1912, quando se apresentavam em uma cidadezinha do Texas, foram interrompidos pelos gritos histéricos a respeito de uma mula. O público saiu para ver o que estava acontecendo. Groucho então, furibundo, quando a plateia retornou, fez comentários sarcásticos: “Aqui está cheio de baratas” e “o burro é a fina flor do Tex-burro”. Todos caíram em gargalhadas. A família percebeu a veia cômica e aumentou os quadros humorísticos, com o tempo, em suas exibições musicais. Estava aí a grande virada, e sacada, na carreira dos Marx.

                                                  Os “Seis Mascotes”                                                                                             O’Donnel e Groucho

Poster publicitário em que Harpo já se encontra integrado aos Nightingales

                   Por essa época, quando a comédia ganhou cada vez mais destaque nas apresentações musicais dos Marx, os seus personagens foram se aprimorando e ganhando as características a torná-los em grande sucesso, primeiro, nos teatros e cabarés e, por fim, na Broadway, depois as telas dos cinemas. Groucho começou a usar o bigode pintado toscamente e o andar curvado. Chico, sempre envolvido com garotas, brigões e jogos, desenvolveu seu personagem para um trambiqueiro incorrigível e detentor de um falso sotaque italiano. Harpo, optou pelo mutismo, adotou as buzinas e a mímica incomparável como forma de se expressar. Curioso notar o fato de Harpo decidir não falar mais porque suas falas não faziam sucesso nos palcos.  E o caminho, não tão óbvio mas sábio, foi o mutismo. Zeppo era o galã, o mocinho a encantar as donzelas, servindo de “escada” para os demais irmãos. Ele substituiu Gummo na trupe quando eclodiu a I Grande Guerra, e Gummo foi chamado a servir no exército. Na verdade, detestava atuar e considerava qualquer coisa, até ir para o front, melhor.  Pode se ver, portanto, que muitas das características dos personagens se assentavam em suas personalidades e traços peculiares.

                                 Em 1920 eles haviam se tornado célebres no teatro americano, por conta do humor ácido, perspicaz e singular, ao mesmo tempo esquisito e original. Sob a batuta de Chico e Groucho, que gerenciavam toda a parte artística dos espetáculos, enquanto Minnie cuidava de agenciá-los e promovê-los, rapidamente se tornaram estrelas na Broadway. Minnie, para não ser associada à mãe da trupe, alterou o nome para “Minnie Palmer” e assim enganar quem os pudesse contratar. Daí para o cinema, foi um passo. O primeiro contrato veio com os estúdios Paramount, onde ficaram de 1929 a 1933, realizando cinco filmes. O primeiro deles foi “Cocoanuts” (Hotel da Fuzarca), e o último “Diabo a Quatro” (Duck Soup), sendo considerado o melhor dessa fase. Zeppo deixaria o grupo disposto e não mais atuar, assim como o irmão Gummo, e ambos criaram uma das maiores agências de talentos da época, em Hollywood.

 

            Pelas mãos do produtor Irving Thalberg, com quem Chico jogava cartas todas as noites, se transferiram para a MGM, e acrescentaram ao seu humor anárquico, a pedido de Thalberg, uma forte estrutura narrativa, a torná-los mais simpáticos. Em meio à comédia, mesclaram tramas românticas, números musicais sérios, e o embate com vilões óbvios, tornando-os mais acessíveis ao público acostumado à dicotomia em outros artistas da época.

                                                                         Foto dos Irmãos Marx ainda como quarteto


 Dessa época são: Uma noite na Ópera (A Night At The Opera, de 1935) e Um Dia nas Corridas (A Day at the Races, de 1937), películas onde a produção conseguiu explorar as muitas habilidades dos três irmãos, arrancando risadas incontroláveis das plateias mundo afora. Foi durante as filmagens do último que uma tragédia se abateu sobre os Marx: Thalberg morreu de pneumonia, em 1936, e a parceria foi subitamente interrompida. Groucho foi categórico ao dizer que os dois melhores filmes realizados por eles foram sob a batuta de Thalberg. Em 1937, saíram da MGM e foram para RKO.

 

                                                                                                     Thalberg com The Brothers Marx

 A curta passagem pelo novo estúdio resultou em um único filme, “Room Service”, de 1938, quando retornaram à MGM para mais três filmes:  At the Circus (1939), Go West (1940) e The Big Store (1941). Neste último, Chico e Harpo sentaram-se ao piano e interpretaram “Mamãe eu Quero”, sucesso brasileiro de 1937, composta por Vicente Paiva e Jararaca, tornada mundialmente conhecida pelas mãos (e voz) de Carmen Miranda.

 

                                                                                Cena de “Room Service”, da RKO

 Antes do lançamento do último filme, os irmãos anunciaram que o grupo se dissolveria e estavam abandonando as telas. Entretanto, em 1945, devido aos constantes e sérios problemas financeiros de Chico, proveniente de dívidas de jogo, os dois remanescentes foram convencidos a filmar novamente. Assinaram com a United Artists: Uma Noite em Casablanca (1946) e Loucos de Amor (1949), quando definitivamente aposentaram a trupe.

Nos anos seguintes, fizeram aparições individualmente e em duplas, nos teatros, cassinos, rádio e eventualmente na TV. Groucho firmou-se como apresentador do programa You Bet your Life, até o início dos anos 1960.

Eles não atingiram a fama de Chaplin, Stan e Laurel ou dos Três Patetas, mas certamente influenciaram e inovaram as comédias, com um jeito despojado, fora dos padrões da época, as vezes ingênuo mas nunca inocente. Fizeram rir multidões, e ainda fazem. Influenciaram gerações e gerações de comediantes que não se cansavam de citá-los como referência, de Woody Allen a Mel Brooks, de John Cleese aos Monty Python, passando por Alan Alda e Elliot Gould, David Zucker e Jim Abrahans.

Não vale a pena deixar as datas de suas mortes pois Os Irmãos Marx, em sua singularidade, são eternos. E as provas estão aí: pode-se assistir as suas comédias na Tv, ou comprar boxes de seus filmes digitalizados, até mesmo em Blu-Ray.

Aprecie, sem moderação!


 Da esquerda para a direita: Harpo, Zeppo, Chico, Groucho e Gummo. Foto sem data. Provavelmente em fins dos anos 1950.

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Frases de Groucho Marx


“Não entro para clubes que me aceitam como sócio.“

“Eu nunca esqueço uma cara, mas no teu caso ficarei satisfeito em abrir uma excepção.“

“A sinceridade e a honestidade são as chaves do sucesso. Se puderes falsificá-las, estás garantido.“

“Acho a televisão muito educativa. Toda as vezes que alguém liga o aparelho, vou para outra sala e leio um livro.“

“A política é a arte de procurar problemas, encontrá-los em todos os lados, diagnosticá-los incorretamente e aplicar as piores soluções.“

“Eu pretendo viver para sempre, ou morrer tentando.“

“Se acredito na vida após a morte? Não sei nem se acredito na vida antes da morte! Acho que acredito na morte durante a vida“

“Eu tenho princípios. Se você não gosta desses, eu tenho outros.“

“A filosofia é a ciência que nos ensina a ser infelizes da maneira mais inteligente.“

“Há muitas coisas na vida mais importantes que o dinheiro, mas custam tanto…“

“Eu não posso dizer que não discordo de você.“

“As noivas modernas preferem conservar os buquês e jogar fora seus maridos.“

“O humor é a razão a enlouquecer.“

“Nenhum homem desaparece antes do seu tempo - a não ser que o seu chefe saia primeiro.“

“Você prefere acreditar em mim ou em seus próprios olhos?”

“Eu não sou vegetariano, mas como animais que são.”

“Entre uma mulher e um charuto, escolherei sempre o charuto.”

“Foi um juiz que me casou. Eu deveria ter pedido um júri.”

“Ele pode parecer um idiota e até agir como um idiota, mas não se deixe enganar: é mesmo um idiota!”

“Eu quero ser cremado. Um décimo das minhas cinzas devem ser dadas ao meu agente, assim como está escrito em nosso contrato.”

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Nota: Texto publicado originalmente na Revista Bulunga